23 de jul. de 2015

TEATRO | sobre a tara que veste corpo in cena


Essa semana surgiu em meus feeds um texto publicado no Jovem Online intitulado "É verdade que atores e atrizes precisam ficar pelados na faculdade de artes cênicas?" e, ao republica-lo em minha timeline, gerou divergentes e interessantes reflexões.

Primeira situação: você não terá que ficar nu quando estudar artes cênicas. Claro, é aconselhável ingressar carregando em si um espírito livre que te permita vivenciar diferentes linguagens artísticas-teatrais as quais, uma delas, pode utilizar a nudez. Mas a arte como um todo é extremamente abrangente. Uma carreira é delineada antes de mais nada pelo próprio artista, pois antes de ser ator/atriz você é um humano que tem dentro de si indagações, limites, receios e propósitos e eis o que há de mais belo na arte: a humanidade

Outro aspecto a ser refletido é essa ânsia de realizar peças teatrais com nudez - mesmo que o que vá ser produzido não tenha originalmente o elemento do nu. Há um pensamento comum de transgressão, de quebra de paradigmas quando a nudez é empregada - Infelizmente, é comum assistir peças fracas no que diz respeito a conceito e até mesmo atuação, que se destacam somente pela falta de roupa - e por tantas tentativas de encontrar esse diferencial acaba-se criando mais do mesmo. Não é o propósito aqui debater a qualidade de peças ou grupos (cada um tem sua proposta artística, sua linguagem, e todas merecem ser respeitadas), mas já é comum ver peças de baixa qualidade que se destacam apenas pelo nu. O corpo por si só é apenas uma página em branco a ser delineada e construída transformando-se assim em arte.

O nu pelo nu pode sim ter um conceito: a naturalidade! A sociedade ainda carrega consigo tabus desnecessários quanto a visibilidade do corpo - contraditoriamente, pois o corpo já é objeto de vitrines televisivas, comum aos olhos até dos mais conservadores - e, quando usado como estudo pode sim ser interessante. Mas para tal é necessário acabar com as grandiosas manchetes que anunciam "peça com cenas sexualmente explicitas" ou "grupo apresenta peça com nudez"

E até mesmo modificar o pensamento daqueles que atuam pois se é pra ser natural, a nudez deveria ser trabalhada com o olhar de alguém que sai do banho numa boa pois ali é uma cena comum de nudez cotidiana e não como algo que por obrigatoriedade o ator deveria alcançar em palco. Nada de errado na proposta de causar o espanto, questionamentos e concepções referente a nudez, é levantando tabus que levamos o próximo a reflexão. Mas é também glorificando tabus que o alimentamos para continuar assim sendo. Tudo é uma questão de proposta, não tem certo ou errado, mas tem antes de tudo um pensar.
A nudez é sim um objeto rico da arte, mas o material humano mais valioso no teatro é ainda o que vem de dentro. A pele é um figurino único, exclusivo que pode nos levar além - como humanos, atores, personagens - mas é apenas uma parte do que nos compõe. O corpo, a arte, a essência do artista vai mais além do que a exposição de seu corpo, esta é mais inerente a alma

E para complementar segue um poema de Eduardo Dias que surgiu dessa prosa boa que sem querer as redes sociais nos promoveu:
sobre a tara
que veste
corpo
in cena.
peito
sem roupa
é facil,
quero ver
coração nu
(ainda que)
vestido.
(sobre fetiches e fantoches)

imagem: Folha | UOL 

24 de jan. de 2015

Centro de SP: sobre amor, andarilhos e aquilo que se vê


Há algo de único no Centro de São Paulo. Talvez seja somente uma visão exagerada de quem cresceu lendo crônicas de jornalistas boêmios e que, por influência, ache os ares dessas ruas acinzentadas um tanto especial.

Andar me faz bem. Sempre me fez bem! E mesmo quando eu já estou bem, andar me faz mais bem. E andar pelo Centro então...nem se fala! Quantas vezes sai da Vergueiro, peguei a Paulista inteira, desci aquela Consolação desértica de transeuntes, dando voltas na Praça Roosevelt, seguindo pela Ipiranga e caminhando até a escadaria do Municipal (e parando por lá, claro! As pernas uma hora precisam descansar). São sei lá quantos quilômetros e sei menos ainda quanto tempo esse trajeto leva, não sinto o tempo, não sinto o corpo, não sinto. E o não sentir, nesse aspecto, é a sensação mais prazerosa do mundo. Catártico.


FOTO: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO 

E lá, já no Municipal fico a olhar. De dia, aquela balburdia que chega a bagunçar os sentidos: artistas de rua, amplificadores em portas de lojas, gente se trombando, aquela pesquisadora chata que teima atrapalhar o seu sossego a lhe encher de perguntas sobre consumo e afins. De noite aquele marasmo: a van policial (que ótimo), alguns bêbados cambaleando pelas calçadas e sumindo ao longe, casais de mãos dadas flertando e outros, mais intensos, se esquentando em toques e beijos, alguns mais solitários (Presente!rs Sempre só estou eu e meus pensamentos). Por falar em mim, olho cada um e penso que com eles passam histórias, tento decifrar em suas faces carrancudas, alegres, despojadas, indiferentes, etc, aquilo que eles possam ter vivido antes de estar ali. Assim como eu, depois de caminhar por muito tempo até lá chegar, parei ali com uma história, uma expressão, uma vida.


Faço isso desde, sei lá, dezessete anos de idade, onde saia das salas de concerto, das aulas musicais, para assim ficar. Andava esses caminhos de forma mais leve, tinha sim pesos carregados de outrora que eu fingia não estar ali mas que sempre carreguei, mas os passos eram menos difíceis e a respiração mais leve. O tempo passa (ohh se passa!) mas há aquilo que fica, um hábito, um pensar, um viver, um olhar. A cidade de SP assim como o mundo que se vive (Seja esse que se habita, seja aquele que se cria, seja aquele que só existe para nós pelo simples e puro destino) está aí como cenário de histórias, de anônimas histórias.